Às latinhas
Rota e palco da felicidade honesta
Era uma noite de segunda, quando vi, na frente do Teatro Sérgio Cardoso, um reciclador com boné adidas, fone jbl e um saco de latinhas do tamanho dele. Estava bem arrumado, branco e preto num look equilibrado. Achei até o saco estiloso. Ele dançava pela calçada inteira. Passos bonitos, movimentos entregues, aquela felicidade honesta. Aquela, sabe qual é? Enquanto admirava do recuo, quis desvendar a música. Depois desisti. Achei o momento tão dele, se eu soubesse a música roubaria a beleza me arrogando parte. Provavelmente sairia um “ah, sei qual é”, um cantarolar pra arvorar-me conhecedora, um passinho, quem sabe. Seria eu, então, a própria inveja. Daí estaria arruinado o espetáculo, para mim, não para ele. A música era dele, a voz era dele, a dança era dele, a calçada era dele, o céu também. Não saí da entrada do teatro até acabar o ato. Ele se retirou do palco, qual celebridade fazendo bis. Mandou até beijo, acho. Só não foi para mim. Como não paguei entrada, nem recebi convite, me senti penetra. Aplaudi baixinho, tietei no sussurro: maravilho-sooooooo (!), me escondi atrás do que dava.
Fui para casa a pé, subindo a Manoel Dutra, pelo lado oposto da sua coxia. Encontrei uma latinha na esquina da Rui Barbosa. Segui com ela na mão, com a desculpa de encontrar um lixeiro. Quando na verdade fui vasculhando os sentidos, testando segura-la como a um amuleto. Quem sabe, na frente do Teatro Oficina, eu me tornasse dançarina. Quem sabe, com mais uma latinha do bar da Byington com a Jaceguai. Quem sabe quando eu chegasse embaixo dos dois holofotes, fizesse um dois pra lá - dois pra cá sobre o teat(r)o, com uma saída lateral pela passagem de pedestres…Talvez aí, eu me torna-se feliz. Honestamente feliz.
O maps não quis. O melhor caminho foi cruzar o viaduto Júlio Mesquita e entrar na Abolição. Sem palco e sem lixeiro, cheguei na entrada do prédio e lá estava Seu Pedro, porteiro das noites pares. Um saquinho na mão, um fone no ouvido direito e a tampa do coletor de reciclados aberta.
Pode jogar aqui!
Obg, Seu Pedro. Essas eu vou precisar!
Subi mesquinha, com duas latinhas amassadas e vazias, com a esperança gasta nas calçadas escuras e a certeza da felicidade está fazendo show, bem ali, na frente da portaria.



